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terça-feira, junho 01, 2004

Três álbuns e três anos de silêncio depois, os Clã regressam com um novo trabalho. Para trás fica a energia de palco de “Kazoo”, posteriormente depurada em Lustro. “Rosa Carne” é uma viagem de experiências e sensações tão inesperadas quanto a mudança de registo da banda. O resultado de um processo de crescimento, explicado por dois dos seus principais elementos: a vocalista Manuela Azevedo e o compositor Hélder Gonçalves. Por| Inês Marques .


1. Em Janeiro deste ano celebraram o décimo aniversário da vossa estreia ao vivo. Dez anos depois, o que é que mudou no universo sonoro dos Clã?

Manuela - Mudou muita coisa. Acho que a única que se mantém é mesmo sermos os mesmos 6 musicos. Ao longo destes anos fomos aprendendo inúmeras coisas, não só a nível melódico ou, no caso do Hélder, enquanto compositor, mas também a nível pessoal.. Nesse sentido penso que crescemos, amadurecemos, ficámos com um repertorio maior não só de canções criadas por nós mas também por outros autores com quem fomos trabalhando. Essas interacções foram, de facto, um dos aspectos que mais contribuíram para que fossêmos descobrindo coisas novas e evoluindo sempre.


2. Desde o início que o vosso percurso tem sido, precisamente, o da busca de novas sonoridades…

Manuela - Basicamente o que temos procurado sempre é a diversidade. Não só em termos de sonoridades – do soul, ao jazz, passando pelo reggae já experimentámos um pouco de tudo – mas também de linguagens.E é isso que nos leva a trabalhar em projectos como o Nosferatu, no qual desenvolvemos, por exemplo, música para um filme.


3. Esse diálogo com outra formas de arte surge para vocês como uma necessidade?

Hélder - Sim, especialmente com o cinema, para o qual sempre senti uma grande vontade de fazer música. Nesse sentido surge também o teatro, porque no fundo, trabalhar para um ou para outro é quase como fazer versões. Tanto num caso como noutro se procura retirar o que nos parece mais importante. Penso que a cooperação entre as diversas formas de arte, não só entre estas, mas também com outras é muito importante. Ainda que sejam diferentes, todas partilham, de certa forma, uma aventura comum.. Eu sempre trabalhei com outras formas de expressão, portanto acho que é uma coisa que vamos tentar continuar a fazer.


4. Um som com o qual desde cedo encontraram “Afinidades” foi o de Sérgio Godinho, com quem realizaram diversos concertos e um álbum que foi disco de ouro. Essa relação de progressiva aproximação influenciou a vossa música?

Hélder - Penso que todos os encontros que temos são coisas que marcam e influenciam. Quando as coisas correm bem, e felizmente conosco isso tem sempre acontecido, são momentos durante os quais ambas as partes oferecem muito de si. E isso é sempre um processo de aprendizagem, e logo, de certo modo influenciador. É claro que no caso do Sérgio então nem se fala, aprendemos mesmo muito com ele. Não só pelo tempo que passámos juntos,em palco ou em estúdio, a gravar e divulgar o “Afinidades”, mas também por ele ser quem é. Nesse sentido, creio muito do nosso crescimento passou tambem pela convivencia com o Sergio. Tanto artistica como pessoal. Mas há outros nomes muito importantes, sobretudo o do Carlos Tê, com quem trabalhamos desde o inicio e com o qual temos uma grande cumplicidade. Mas aprender penso que se aprende sempre. Ainda assim, creio que o traçou mais a nossa evolução até este disco foi essencialmente um percurso de auto-conhecimento.


5. Tendo em conta todo esse processo de crescimento porque têm passado, que ritmos é que podemos encontrar neste novo trabalho?

Manuela - É um disco atravessado tanto por sons de casa como por sons de orquestra, ainda que isso possa parecer quase contraditório. A nossa ideia foi tentar que este disco fosse mais longe, não só em termos de composição como também de arranjo e de sons Nele procurámos explorar caminhos que não fossem os mais comuns ou previsíveis na construção de uma canção ou de uma música. Helder – No fundo foi quase um exercicio de depuramente estetico do que já tinhamos feito no passado. O que procurámos foi partir do zero, como se nunca tivéssemos feito nada, procurar perceber o que é que nos apetecia fazer neste momento independentemente de tudo o que tinhamos para tras. Mas no fundo as coisas acabam sempre por ser uma reacção ao que fica para trás.


6. Aliás nos vossos dois ultimos álbuns – Kazoo, Lustro - existe uma espécie de ponto comum, que é a energia de palco, ainda que no “Lustro” essa surja, de certa forma, mais “polida”… Surge agora um trabalho “Rosa Carne”, num registo bem diferente…

Manuela - De alguma forma se no Lustro depurámos um bocadinho a música e a energia do Kazoo, neste álbum fomos muito mais longe, trabalhámos um registo mais de conceito. Foi uma coisa mais pensada logo à partida, destinada a incidir sobre um universo mais específico, mais claro, e foi também por isso que demorou mais tempo. Obviamente que estas coisas não são estanques mas este trabalho foi, até agora, o que teve uma vontade e uma homogeneidade mais marcadas. Para alem disso é um trabalho caracterizado pela estrutura inesperada das canções. Estas começam num ponto e acabam noutro completamente imprevisível, subvertendo as estruturas habituais, e isso é algo que também não acontecia nos álbuns anteriores.


7. O próprio título deixa adivinhar uma certa mudança, trazendo-nos à cabeça a imagem de um universo mais pessoal e interior…

Hélder - Este é de facto um álbum que surge mais relacionado com esse tal nosso processo de aprendizagem pessoal, de auto-conscencialização. Daí o próprio termo carne, que nos fala de algo que está para além da pele, que está marcado em nós não à superfície mas para lá dela. Aqui quisemos usar canções e textos mais crús, mais incisivos. que falassem de coisas que normalmente não se falaria, que usassem palavras que normalmente não se utilizariam, como se vê por exemplo no titulo “madalena em contricção”. Mais do que caber num estilo, quisemos fazer as coisas como elas precisavam de ser – eroticas, violentas, sensuais.. - sem olhar ao facto de ser “pop” ou “cool” ou outra coisa qualquer. E daí esta preocupacao tambem com as letras, que neste àlbum se tornam mais literárias, mais poéticas, mais centrais do que nunca. Há obviamente coisas mais naifs, como os “Violoncelos Esquisitos” mas que ainda assim contêm alguma perversao, algumas mensagens quase subliminares. Uma tentativa de ir mais além.


8. Aliás, no ano passado começou-se a notar no vosso trabalho uma certa viragem nesse sentido, ao optarem por realizar uma mini-tournéé relativamente mais intimista. Já era de certo modo um antecipar deste álbum?

Hélder - Basicamente nos queriamos experimentar as musicas novas e a única maneira de fazer isso era em locais mais intimistas, fechados e confortáveis, para que as pessoas estivessem disponiveis para ouvir. Num festival, numa queima ou num espaço muito grande isso dificilmente acontece. A única maneira de testar os temas novos que tinhamos composto era de facto com as pessoas sentadas num espaço confortável. E resultou muito bem pq algumas das musicas q tocamos eram de facto um pouco esquisitas, no sentido de muito diferentes, e o alinhamento era so composto por temas destes ou outros que nunca tinhamos incluido em discos, ou que tinhams mas que surgiam agora com arranjos completamente diferentes. Felizmente as pessoas gostaram bastante, e nos tambem. Este tipo de concertos é uma coisa que nos agrada muito, mas é claro que não dá para fazer muitas vezes, não so pq não há auditorios mas pq tb é preciso fazer outro tipo de coisas para promover o album. De qq maneira e algo que prentendemos continuar a fazer, sempre que nos for possivel.



9. Acham que este tipo de iniciativas é importante para não so estabelecerem uma reaproximacao com o publico como para lhe poderem sentir o pulso?


Manuela - Sim, claro. Alias nos diziamos mesmo as pessoas no concerto que estavamos de certa forma a abusar delas porque nos iamos para o palco no fundo experimentar canções e estudar reacções, ver se o que queriamos passar de facto era compreendido ou não pelo publico. Elas foram de alguma maneira um publico teste, e felizmente gostaram muito da ideia.


10. E para a promoção deste novo trabalho vai continuar a ser essa a vossa opção ou vão regressar aos grandes recintos e festivais?

Hélder -
A apresentação oficial do disco, no dia 29, no Porto, vai ser no Teatro Sá da Bandeira que já por si é um sítio especial, e pretende ser, de certo modo, mais intimista, mais pessoal, apesar de não ser com cadeiras etc. O ambiente do concentro vai ser centrado neste disco e logo vai ser uma coisa mais aproximada, uma coisa única mesmo. Mas depois temos agendado concertos mais “normais”, como as Queimas das Fitas, os Festivais etc. M – Aliás, neste momento estamos limitados pela nossa agenda de tal forma que seria muito dificil fazer uma tournée ou alguns espectaculos mais pequenos, em auditorios. Mas na reentré uma das hipóteses é precisamente tentar fazer isso, optar pelos espaços mais fechados e de maior proximidade, até porque nessa altura do ano apetece mais.


11. O tema que escolheram para primeiro single foi precisamente a primeira faixa,“Competência para Amar”, porquê?

Hélder – Penso que acaba por ser o single precisamente pela mesma razao que é a primeira faixa do disco M – Era o melhor cartão de visitas, de apresentação do álbum. Já nos aconteceu no passado as pessoas ficarem confundidas com aquilo que o disco é por causa do single ter esta ou aquela característica, por isso pareceu-nos que este se adequava por conter nele todo o espírito deste trabalho. A primeira apresentacao do trabalho faz muito pela ideia geral com que as pessoas ficam do disco e o “competencia para amar” parece-nos de facto q explica o que isto e: um disco que efectivamente é dos cla, mas que é, ainda assim, um trabalho diferente.


12. Este tema inclui samples de músicas da Amália. Foi uma opção vossa ou uma sugestão do letrista Carlos Tê?

Hélder - Foi nossa. A parte final da musica era maior do que esta agora, tinha muitas cordas e um ambiente um bocado psicadelico e o tema fala de varias coisas, mas sobretudo sober o facto de haver algué, no casal, neste caso a mulher, que é mais competente no sentido de ser quem faz tudo para que as coisas resultem e que acaba por organizar as “tarefas” que permitem que a relação de amor entre essas duas pessoas funcione. O tema diz um certo de modo que se não fosse a sua competencia para desempenhar as tarefas do amor, as coisas não resultariam e eu então achei que seria interessante achar samples de cancoes que falassem precisamente sobre esse universo. Experimentei muitas coisas, desde jorge palma a outra coisas da Amalia, mas quando juntei estes dois samples, percebi imediatamente que eram tao fortes que todos os outros me pareceram menores. Resolvi então retirá-los e deixar só o sample da Amália. Aquilo que começou por ser uma brincadeira com uma serie de montagens acabou por ser assim uma presença forte, um quase espectro central e fundamental à música.


13. Qual é a vossa posição relativamente à utilização de samples ou excertos de declarações públicas na construção de novas músicas, como fez por exemplo Sam The Kid com a frase de Vitor Espadinha acerca da sedução?

Hélder - Nós sempre fomos muito zelosos relativamente à questão dos direitos de autor, aliás é um tema que já temos discutido com muita gente. No entanto, eu acho muito bem que se faça renascer as coisas através de novos projectos e cruzamentos, desde que se peça autorizações. M – Não conheço muito bem este caso específico, mas dado que a frase foi proferida numa entrevista difundida e logo tornada pública, não me parece tanto um problema de direito de autor mas, quanto muito, de utilização propriamente dita de uma declaracao tua que não queiras ver publicada. H – Basicamente em Portugal não estao muito desenvolvidas estas questões dos direitos de autor, por vezes torna-se dificil saber o que se pode utilizar ou não. Há muita gente a usar samplers e a usar coisas de outros artistas sem pedir autorizações, o que para mim é incorrecto. Mas mais do que entre musicos começa pelas p´roprias televisões utilizarem as canções dos grupos sem sequer pedirem permissão. Nós por exemplo temos alguns processos em tribunal precisamente por problemas desse tipo. Isto é uma coisa que acontece em Portugal ou por falta de legislação ou de aplicabilidade e fiscalização, cá é muito claro o que se passa, no entanto continua tudo na mesma e é obvio que em poucos outros sitios do mundo se passa assim.


14. E por falar em Carlos Tê, letrista do single, e com quem já trabalham há muito tempo, neste novo trabalho surgem também letras de músicos “menos habituais” nos vossos albuns, como Adolfo Luxúria Canibal ou Arnaldo Antunes. Porquê esta opção e porquê estes nomes?

Hélder - Eu penso que mais um vez tem a ver com a nossa vontade de mudar um bocadinho, de experimentar coisas novas. Mesmo o processo com o Carlos Tê foi diferente neste disco. Desta vez – e foi o único autor com quem fizemos isto – pedi-lhe especificamente uma coisa, que fosse a gaveta, buscar as letras de que ele gostava muito mas que nunca tinha conseguido usar. As “letras malditas” que não coubessem em lado nenhum, que fossem diferentes, que não tivessem uma estrutura musicavel. E isso entusiasmou-o bastante e fez com que não so me passasse uma serie de coisas como “o fio de ariane” mas tambem que escrevesse cancoes novas. Com todos os outros foi mais dar-lhes a canção e dizer-lhes “faz o que quiseres”. Essa vontade de que o disco fosse mais incisivo, mais crú, mais carne, fez-nos depois optar por outros musicos como, lá está, o Adolfo, com o qual já tinhamos convivido algumas vezes, e cujo trabalho nos mao morta apreciamos muito, apesar de sabermos que isso pode parecer ate surpreendente. Mas lá está, foi precisamente essa crueza e qualidadedo seu trabalho que nos fez pedir-lhe para colaborar connosco. Pensamos que tanto ele como a Regina Guimaraes, que penso que foram as pessoas mais importantes que se juntaram a este trabalho, poderiam tacrescentar para acrescentar mais carne ao disco. Pareceu-nos que seria um bom caminho, mas claro que estas coisas so se sabem onde é que vao parar quando chegam ao seu fim, e só depois de concluido e q tivemos plena percepção do quanto eles contribuiram para imprimir ao “rosa carne” o sentido mais cru que lhe queriamso dar.



15. O facto de o vosso último trabalho, “Lustro”, ter sido disco de ouro não fez, com que de certa forma, se sentissem um pouco sob pressão, à semelhança das bandas que alcançam um grande sucesso logo no seu primeiro álbum?

Hélder - Talvez se tivesse sido efectivamente o primeiro disco teríamos sentido isso. Mas como este já o quarto álbum e em nenhum deles tivemos um sucesso imediato, nem com o “Lustro”. Saiu em Maio e foi ouro em Janeiro, foi um percurso lento e como conosco ate agora tem sido sempre um bocado assim nunca sentimos muito esse tipo de pressão. Mas obviamente que sentimos que há mais gente em expectativa relativamente ao nosso trabalho. Sabemos que há muita gente à espera do novo disco, e sobretudo de um novo “Lustro”, mas penso que apesar de termos noção dessas coisas todas, não podemos deixar de fazer aquilo que sempre fizemos ou seja, partir para cada disco como se fosse uma coisa nova, um começo.


16. “Lustro” foi tb editado em França em 2002. A internacionalização é um dos objectivos que pretendem alcançar com este novo trabalho?


Manuela - Sim, aliás esse é um objectivo de longo prazo que tem estado sempre presente no nosso trabalho. Mais do que pela edição do disco, ou de um disco em concreto passa por muitas outras coisas, como a promoção. Mas é um trabalho de muitíssimo longo prazo. H – Aliás temos investido nele sobretudo de uma maneira mais concreta desde o Lustro, mas é um trabalho demorado, que tem de partir muito da banda, do manager do grupo, por um grande grau de investimento junto dos países e dass pessoas que, em cada um deles, poderão divulgá-lo, pô-lo a tocar. É um processo muito complicado, de grande investimento, logo nunca sabemos quand é que vamos ter, em termos concretos, resultados nesse aspecto.


17 – Quando faz essa opção a maioria dos grupos opta por cantar em inglês, algo que até agora os Clã não têm feito…

Hélder - Para nós isso é uma coisa que em termos pessoais não faz sentido. Se é certo que há projectos portugueses de enorme qualidade que surgem desde o início em Inglês, como os BlindZero, esse não é o nosso caso. Não é uma questão de não nos agradar que se cante em inglês e sim uma questão de para nós não fazer sentido escrever e compôr noutra língua que não seja o português. Aliás, o Lustro foi editado em França precisamente por ser em português. Não é que não ponhamos a hipótese de eventualmente fazermos, por exemplo, versões das músicas em inglês, mas a primeira vai ser sempre a nossa. Porque é essa que tem a ver connosco, com a nossa identidade musical.


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